sábado, 17 de novembro de 2012

Reflexões sobre o "Conto da Ilha Desconhecida" de José Saramago


O Conto da Ilha Desconhecida de José Saramago

          Resumo

Um homem quer falar com o rei para pedir-lhe um barco. O rei, após a insistência, dá-lho. A mulher da limpeza resolve sair do palácio do rei pela porta das decisões e juntar-se à tripulação do barco. Ela limpa o barco. Ele tenta em vão arranjar tripulantes. Todos acham que não há mais ilhas que não sejam conhecidas. À noite, eles vão dormir, cada um em seu beliche. O homem sonha que chegou à ilha desconhecida. Ele acorda ao lado da mulher. Eles pintam o nome do barco: ‘A Ilha Desconhecida’.

Reflexões

 O Conto da Ilha Desconhecida parte de duas ideias: a de que um barco é uma ilha, e a de que as pessoas são uma ilha. A ideia de uma ilha só faz sentido quando existe o mar; sem o mar, nenhuma ilha é ilha, ou seja, as ilhas não existiriam. Segundo Saramago, é preciso acreditar que ainda existem ilhas a serem descobertas, ainda que só se consiga chegar nela em sonho (ou seja, uma ilusão romântica). O curto livro gasta um bom tempo para que o leitor saiba que o rei é o tipo de pessoa que nunca buscaria uma ilha desconhecida. Talvez, para o escritor, o facto de pessoas poderosas NÃO quererem buscá-la seja tão importante quanto o facto de o homem querer buscá-la. Afinal, A Ilha desconhecida é a ilha, é o próprio barco, é o próprio processo de busca, é o prazer sereno de aventurar-se rumo ao desconhecido. Faltou, no entanto, que a ilha seja o próprio livro. Isso Saramago não frisou. A sua literatura poderia ser a própria ilha, esse próprio processo de busca. O título do livro poderia ser A Ilha Desconhecida. Então, lançar-se ao mar seria lançar-se à folha de papel em branco. Ao invés disso, preferiu intitular de O Conto da Ilha Desconhecida. Isso é tudo o que pode ser dito sobre o que o autor busca em sua literatura.

É para ilustrar a constante construção, a busca de completude, na qual o homem vive até o suspiro final, quando morre sem ter terminado de nascer, é essa grande angústia de não nos aceitarmos finitos, que Saramago cria a metáfora O Conto da Ilha Desconhecida (1998), onde um humilde súbdito de um reino, vai à porta das petições do palácio, persistentemente, requerer do rei, um barco para ir à procura de uma ilha desconhecida, para espanto do rei que afirmava não existirem ilhas desconhecidas, que estariam todas nos mapas. Por insistência e boa argumentação, o súbdito sai vitorioso com a conquista do barco, é então acompanhado pela mulher da limpeza, que cansada da monotonia, do quotidiano da sua existência, resolve acompanhar o aventureiro, saindo pela porta das decisões à procura da tal ilha desconhecida. Entendemos que, nessa obra, os personagens querem-se descobrir a si próprios, o sentido da sua existência, na imagem poética de uma ilha misteriosa, como são misteriosos os sonhos humanos, refletindo um anseio que é universal e que nos move desde os tempos mais remotos. É importante destacar, aqui, a exemplo de outras obras de Saramago, o tratamento dado à personagem feminina, no papel de força mediadora e profícua na realização significativa do processo de busca do autoconhecimento da personagem masculina, questionando e promovendo a reflexão sobre essa busca que é impossível de ser realizada isoladamente, mas requer uma disposição de viver junto, de pensar uma nova condição humana, envolta em princípios que caracterizam um novo ser: como a solidariedade, a confiança nos homens e o fazer constante para a transformação do individual para o coletivo, fundado numa ética humanista, que valoriza o estudo das relações do Eu em conformidade e ligação com os seus semelhantes, pois apenas dessa forma o homem pode realizar-se e ser feliz. Contrariando, assim, a ótica da modernidade, onde ser mais é ter mais, é ocupar o primeiro lugar, é usufruir do poder e do outro, manipulando-o, numa cegueira que impossibilita ver no outro a si mesmo. No Conto da Ilha Desconhecida, a dificuldade de visualizar e amar o invisível, de construir o novo a partir do lugar onde nos encontramos, conceção utópica de vida, que incita as ações humanas e impede a estagnação da história, impulsionando-nos a mantermos a esperança, é metaforizada no facto de mais ninguém, além da mulher da limpeza, ter concordado em fazer parte da tripulação na busca da ilha desconhecida. É cómodo viver o conhecido, o novo é assustador, é preciso ousadia para encarar o desconhecido, que às vezes somos nós mesmos… 

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