O
Conto da Ilha Desconhecida de José Saramago
Resumo
Um homem quer falar com o rei para
pedir-lhe um barco. O rei, após a insistência, dá-lho. A mulher da limpeza
resolve sair do palácio do rei pela porta das decisões e juntar-se à tripulação
do barco. Ela limpa o barco. Ele tenta em vão arranjar tripulantes. Todos acham
que não há mais ilhas que não sejam conhecidas. À noite, eles vão dormir, cada
um em seu beliche. O homem sonha que chegou à ilha desconhecida. Ele acorda ao
lado da mulher. Eles pintam o nome do barco: ‘A Ilha Desconhecida’.
Reflexões
O Conto da Ilha Desconhecida parte de duas
ideias: a de que um barco é uma ilha, e a de que as pessoas são uma ilha. A
ideia de uma ilha só faz sentido quando existe o mar; sem o mar, nenhuma ilha é
ilha, ou seja, as ilhas não existiriam. Segundo Saramago, é preciso acreditar
que ainda existem ilhas a serem descobertas, ainda que só se consiga chegar
nela em sonho (ou seja, uma ilusão romântica). O curto livro gasta um bom tempo
para que o leitor saiba que o rei é o tipo de pessoa que nunca buscaria uma
ilha desconhecida. Talvez, para o escritor, o facto de pessoas poderosas NÃO
quererem buscá-la seja tão importante quanto o facto de o homem querer
buscá-la. Afinal, A Ilha desconhecida é a ilha, é o próprio barco, é o próprio
processo de busca, é o prazer sereno de aventurar-se rumo ao desconhecido.
Faltou, no entanto, que a ilha seja o próprio livro. Isso Saramago não frisou.
A sua literatura poderia ser a própria ilha, esse próprio processo de busca. O
título do livro poderia ser A Ilha Desconhecida. Então, lançar-se ao mar seria
lançar-se à folha de papel em branco. Ao invés disso, preferiu intitular de O Conto da Ilha Desconhecida. Isso é
tudo o que pode ser dito sobre o que o autor busca em sua literatura.
É para ilustrar a constante construção, a
busca de completude, na qual o homem vive até o suspiro final, quando morre sem
ter terminado de nascer, é essa grande angústia de não nos aceitarmos finitos,
que Saramago cria a metáfora O Conto da Ilha Desconhecida (1998), onde um
humilde súbdito de um reino, vai à porta das petições do palácio,
persistentemente, requerer do rei, um barco para ir à procura de uma ilha
desconhecida, para espanto do rei que afirmava não existirem ilhas
desconhecidas, que estariam todas nos mapas. Por insistência e boa
argumentação, o súbdito sai vitorioso com a conquista do barco, é então
acompanhado pela mulher da limpeza, que cansada da monotonia, do quotidiano da
sua existência, resolve acompanhar o aventureiro, saindo pela porta das
decisões à procura da tal ilha desconhecida. Entendemos que, nessa obra, os
personagens querem-se descobrir a si próprios, o sentido da sua existência, na
imagem poética de uma ilha misteriosa, como são misteriosos os sonhos humanos,
refletindo um anseio que é universal e que nos move desde os tempos mais
remotos. É importante destacar, aqui, a exemplo de outras obras de Saramago, o
tratamento dado à personagem feminina, no papel de força mediadora e profícua
na realização significativa do processo de busca do autoconhecimento da
personagem masculina, questionando e promovendo a reflexão sobre essa busca que
é impossível de ser realizada isoladamente, mas requer uma disposição de viver
junto, de pensar uma nova condição humana, envolta em princípios que caracterizam
um novo ser: como a solidariedade, a confiança nos homens e o fazer constante
para a transformação do individual para o coletivo, fundado numa ética
humanista, que valoriza o estudo das relações do Eu em conformidade e
ligação com os seus semelhantes, pois apenas dessa forma o homem pode
realizar-se e ser feliz. Contrariando, assim, a ótica da modernidade, onde ser
mais é ter mais, é ocupar o primeiro lugar, é usufruir do poder e do outro,
manipulando-o, numa cegueira que impossibilita ver no outro a si mesmo. No Conto da Ilha Desconhecida, a
dificuldade de visualizar e amar o invisível, de construir o novo a partir do
lugar onde nos encontramos, conceção utópica de vida, que incita as ações
humanas e impede a estagnação da história, impulsionando-nos a mantermos a
esperança, é metaforizada no facto de mais ninguém, além da mulher da limpeza,
ter concordado em fazer parte da tripulação na busca da ilha desconhecida.
É cómodo viver o conhecido, o novo é assustador, é preciso ousadia para encarar
o desconhecido, que às vezes somos nós mesmos…
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