Um Conto Feito Para a Expo’98
Com a realização da
Feira Internacional da Expo’98 em Lisboa, em 1998, que trazia a temática dos
oceanos, e as comemorações dos 500 anos dos descobrimentos marítimos
portugueses, José Saramago presenteou-nos com O Conto da Ilha Desconhecida. Novamente vamos
mergulhar no seu universo fantástico, crítico aguçado do sistema em que estamos
inseridos. Surge-nos retratado um reino burocrático e de fantasia, onde um
homem persegue o seu sonho e o seu ideal: encontrar a Ilha Desconhecida. Num
discurso brilhante, a personagem convence o governo a dar-lhe um barco. Também
convence algumas pessoas, entre elas a mulher da limpeza do reino, a
acompanhá-lo nessa aventura quase utópica e sem destino:
“[…] Então o homem
trancou a roda do leme e desceu ao campo com a foice na mão, e foi quando tinha
cortado as primeiras espigas que viu uma sombra ao lado da sua sombra. Acordou
abraçado à mulher da limpeza, e ela a ele, confundidos os corpos, confundidos
os beliches, que não se sabe se este é o de bombordo ou o de estibordo. Depois,
mal o sol acabou de nascer, o homem e a mulher foram pintar a proa do barco, de
um lado e do outro, em letras brancas, o nome que ainda faltava dar à caravela.
Pela hora do meio-dia, com a maré, A Ilha Desconhecida fez-se enfim ao mar, à
procura de si mesma.”
Mas como todo sonho
tem o seu preço, aos poucos o homem é abandonado por todos, só lhe fica a
mulher. O autor revela-nos uma história não só de sonhos utópicos, mas também
de amor. Com o homem parte a mulher da limpeza, os dois seguem na busca dos
sonhos, o amor já o têm. A ilha desconhecida era o grande sonho português do
fim do segundo milénio: o mergulho na Expo’98. Um sonho que fechava o século XX
no universo histórico lusitano de uma forma espetacular, que rumava para o
terceiro milénio a refletir um futuro que trouxesse de volta a época da grande
aventura, a época dos descobrimentos, época que a nação sonhava com o Quinto
Império. Com a Expo’98 vinha a segurança do reencontro de Portugal com a
Europa. A esperança de um mercado único, de uma moeda única, de um futuro que
espelhasse pouco o passado mais recente, do qual voltaram cidadãos desfeitos
pela guerra colonial, física e mentalmente. É justamente o não esquecimento de
uma história recente, nem sempre gloriosa, porque a história também é feita de
erros e humilhações, que a obra de José Saramago muitas vezes atira-nos à cara.
José Saramago conduziu neste conto os nossos sonhos rumo à ficção do século
XXI.
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