sábado, 17 de novembro de 2012

Personagens da obra "O Principezinho" - simbologia


O Principezinho de Antoine de Saint-Exupéry


É bom reler bons livros e lembrar as lições que aprendemos com eles. Nesta obra, tão peculiar, cada personagem tem algo a nos ensinar, algo que vou partilhar convosco.

                                               O Pequeno Príncipe



            Perplexo com as contradições dos adultos, o pequeno príncipe simboliza a esperança, o amor e a força inocente da infância que habita o nosso inconsciente. Extraordinário e misterioso, ele vive num planeta muito pequeno. Lá, um dia, apareceu uma flor.


O Piloto


“As pessoas grandes aconselharam-me a deixar de lado os desenhos de jiboias abertas ou fechadas.” Foi desencorajado, aos seis anos, pelos adultos que não reconheceram a sua sensibilidade artística e a sua capacidade de ver além das aparências. Mas anos depois, longe de todos, desenha a sua própria história. O piloto é a prova de que nunca é tarde para irmos atrás dos nossos sonhos.

                                                              A Rosa





“É preciso que eu suporte duas ou três larvas se quiser conhecer as borboletas”. Ela começou a crescer, parecia vir do nada. Ficou horas a arumar e a ajeitar as suas pétalas... E é linda! Mas também orgulhosa, caprichosa e contraditória. O pequeno príncipe apaixona-se e vive para atender aos seus caprichos: um lanchinho, o para-vento, uma redoma. Mas ela nunca está satisfeita e o nosso herói decide partir .Embora pareça contraditória, entre caprichos e sabedoria, a rosa é extremamente feminina e sedutora. Por isso, cativa o coração do principezinho.


O Rei



"É preciso exigir de cada um o que cada um pode dar"É o primeiro dos “donos do mundo” que o pequeno príncipe encontra nas galáxias. O rei pensa que tudo e todos são seus súbditos e tem necessidade de controlá-los. Mas, com sabedoria, ensina-nos que cada um só pode dar aquilo que tem.



O Vaidoso


"Mas o vaidoso não ouviu. Os vaidosos só ouvem elogios." O vaidoso precisa da admiração de todos para comprovar o seu valor. Ele nos faz lembrar que precisamos reconhecer nossos próprios talentos e capacidades, e não depender de elogios dos outros para nos autoafirmar.



O Bêbado


“– Por que é que bebes? – Para esquecer. – Esquecer o quê? – Esquecer que eu tenho vergonha. – Vergonha de quê? – Vergonha de beber!” O bêbado tenta escapar da realidade por meio do álcool, mas não consegue escapar da vergonha de ser como é. O seu desabafo é um alerta contra todos os vícios.

O Homem de negócios

"– E de que te serve possuir as estrelas? – Serve-me para ser rico. –E para que te serve ser rico? – Para comprar outras estrelas, se alguém achar. Esse aí, disse o principezinho para si mesmo, raciocina um pouco como o bêbado." O homem de negócios está tão ocupado contando o que acumulou que não pode desfrutar da vida. O pequeno príncipe faz-nos ver que isso também é um vício. É preciso valorizar quem nós somos, e não o que temos.

O Acendedor de Lampiões


 "Aí é que está o drama! O planeta de ano em ano gira mais depressa, e o regulamento não muda!" Um bom homem cumpre o seu dever. Mas como ele mesmo diz, " É possível ser fiel e preguiçoso..."O universo está em constante evolução. O homem, as crenças e as relações humanas também. Mas o acendedor de lampiões não tem o bom senso de questionar as ordens e trabalha sem parar, mesmo sabendo que não vai chegar a lugar algum.



O Geógrafo


"É muito raro um oceano secar, é raro uma montanha mover-se...." O geógrafo sabe toda a teoria, mas não aplica seus conhecimentos. Nunca sai da sua mesa para explorar as descobertas. Como um bom burocrata, declara que isso é trabalho de outra pessoa. É ele quem recomenda ao pequeno príncipe que visite o planeta Terra. E deixa o principezinho abalado quando lhe conta que sua flor é efémera...

A Jiboia

"‘Por que é que um chapéu faria medo? ’[...] Desenhei então o interior da jiboia, para que as pessoas grandes pudessem compreender. Elas têm sempre necessidade de explicações." A jiboia desenhada pelo piloto quando criança é o ícone que nos ensina a ver além das aparências.


O astrónomo turco

 "Mas ninguém lhe dera crédito por causa das roupas que usava. As pessoas grandes são assim."Os adultos, especialmente os sofisticados materialistas, julgam pelas aparências. Por isso, o astrónomo turco é desprezado pela comunidade científica até aparecer em elegantes roupas ocidentais.

A Raposa


 “Tu tornas-te eternamente responsável por aquilo que cativas.” A sábia raposa ensina o pequeno príncipe a compartilhar. E explica-lhe que, apesar de existirem milhares de flores parecidas, a dele é única, e foi o tempo que ele lhe dedicou que a fez tão importante. Cativar quer dizer conquistar e requer responsabilidade. Responsabilidade por um amor, por um amigo, pelo talento que possuímos e pelo que conquistamos na nossa carreira profissional e pessoal. Seja responsável pelas suas conquistas. Valorize-se. Cuide do que cativou.


A Serpente



"Mas sou mais poderosa do que o dedo de um rei.” Embora fale sempre por enigmas, é a personagem mais franca de toda a história. Ela respeita o que é puro e verdadeiro.


O Carneiro e a caixa




"Desenha um carneiro para mim, por favor.” “Era assim mesmo que eu queria!”. Nada pode corresponder ao poder da nossa imaginação. Ela supera o conhecimento, pois não tem limites, e impulsiona-nos para novas descobertas.”Quando o mistério é muito impressionante, a gente não ousa desobedecer.”




No livro, a raposa ensina ao Pequeno Príncipe a importante lição de que as coisas só ganham sentido quando se conhece a amizade. O Pequeno Príncipe compreende que apesar de o mundo ter milhares de rosas, a rosa de seu planeta era única, pois somente ela era merecedora do seu amor e do seu afeto. É estranho conceber que o processo de individuação não esteja ligado única e exclusivamente ao próprio sujeito que busca este estágio, mas tornar-se indivíduo só é possível quando existe o outro. Não é possível ser único, se não for para alguém. Voltando à lição da raposa, ela diz: “o essencial é invisível aos olhos”. A individualidade faz-se nas pequenas coisas, nos detalhes que muitas vezes são esquecidos. É através do afeto direcionado ao objeto que faz com que ele se torne diferente dos demais objetos. Um jeito de sorrir, um pequeno defeito, ou mesmo uma mania apaixonante são os reais responsáveis por que o sujeito possa ser, então, considerado único. De contrário, sem estes atestados de afeto tão simples e quase impercetíveis, todo o resto seria desperdiçado e o indivíduo não passaria de mais um entre muitos. Como diz o Pequeno Príncipe, “o que torna belo o deserto é que ele esconde um poço nalgum lugar”. Quando ganhamos um presente, ele carrega o sorriso de quem o deu, a expetativa no desembrulhar. Se fosse somente o presente em si, este não seria nada além de uma casca. Poucos são os capazes de desfrutar destes pequenos detalhes, a maioria acaba acreditando que estas cascas são o conteúdo que buscam. Nunca encontrarão felicidade, viverão nessa eterna busca que não chega a lugar algum. Mas sobre isso, prefiro que o próprio Pequeno Príncipe dê seu conselho: “Os homens do teu planeta cultivam cinco mil rosas num mesmo jardim... e não encontram o que procuram...”, “ E, no entanto, o que eles procuram poderia ser encontrado numa só rosa, ou num poço de água.”, “ Mas os olhos são cegos. É preciso ver com o coração.
Um fugaz ato, gesto ou palavra, podem alterar por completo o nosso destino e de todos os que nos rodeiam... para o bem ou para o mal.

Antoine de Saint-Exupéry


Antoine de Saint-Exupéry



Nasceu há cem anos, a 29 de junho, em Lyon, Antoine de Saint-Exupery, autor de "O Principezinho", o livro mais traduzido em todo o mundo, a par da Bíblia e de "O Capital", de Karl Marx. A sua morte, aos 44 anos, num acidente de aviação, ainda hoje permanece um mistério e adensou o mito à sua volta.
Órfão de tenra idade, Saint-Exupery desde cedo mostra apetência pelos aviões e fez o seu batizado de voo logo aos 12 anos. Com um aproveitamento irregular no Colégio de Jesuítas que frequentava, tenta a admissão à Escola Naval, mas não consegue, tendo então optado pela arquitetura. Faz o serviço militar em Estrasburgo, no 2º Regimento de Aviação, obtém um brevet, e sofre o primeiro acidente aéreo (seriam mais cinco, ao longo da sua vida, alguns bastante graves, tendo chegado a fraturar o crânio, teve uma comoção cerebral, fraturas múltiplas, ficou parcialmente paralisado no braço esquerdo).
Trabalha em várias companhias aéreas. O seu primeiro conto, "L'Aviateur" é publicado em 1926. "Courrier Sud", depois adaptado ao cinema, (Saint-Exupery dobrou ele próprio o ator principal nas cenas de voo) sai 2 anos mais tarde. Em 1931 publica o romance, "Vol de Nuit" ("Voo Noturno"), com prefácio de André Gide, a que é atribuído o prémio Femina. Um pouco à semelhança da sua vida, "Voo Noturno" mostra-nos um homem em que a coragem era tão natural que dela fazia pouco caso. Nesse mesmo ano casa-se com Consuelo Saucin. É repórter na Guerra Civil Espanhola em 1937 (como muitos outros intelectuais intervenientes do seu tempo, casos de Hemingway ou Orwell) e mobilizado como capitão em 1939, ano em que esboça "Le Petit prince" ("O Principezinho") e publica "Terre des Hommes" ("Terra dos Homens"). Desmobilizado no ano seguinte, passa um mês em Lisboa, de onde parte para Nova Iorque. Em 1942 sai "Pilote de Guerre" ("Piloto de Guerra"), que rapidamente se torna um best-seller. Em 1943 escreve e publica "Lettre à un Otage" e "O Principezinho". É promovido a comandante, mas restringem-lhe os voos devido à idade.
Depois de oito missões na Córsega, mais três do que aquelas que lhe haviam autorizado, em 1944, com a 2ª Grande Guerra quase a terminar, é dado como desaparecido no dia 31 de julho. Depois de ter descolado nessa manhã, desapareceu na imensidão azul celeste que tanto amara, numa derradeira missão sem regresso. Não se sabe ao certo o local da queda. Um pescador defendeu que foi na Baía de Cassis.
Em 1948 sai postumamente o seu romance "Citadelle" ("Cidadela"). A sua escrita encantou várias gerações. Como diz Urbano Tavares Rodrigues,«(Saint-Exupéry) soube transmitir-nos as grandezas dos espaços aéreos e dos silenciosos desertos, as sensações do piloto na carlinga do avião, a pequenez do homem e a sua capacidade de se superar frente ao perigo, perante o infinito ou nas mais duras circunstâncias, como por exemplo as dos náufragos em terra inóspita, despojados de tudo.»

"O Cavaleiro da Dinamarca"


O Cavaleiro da Dinamarca



O Cavaleiro da Dinamarca conta a história de um nobre dinamarquês que vivia naquele frio e gélido país do Norte da Europa. Numa noite de Natal, o Cavaleiro reunido com toda a sua família à volta da lareira, anunciou que tinha decidido partir em peregrinação até Jerusalém, na Terra Santa. A longa viagem, que começaria na primavera, não permitiria ao Cavaleiro passar o Natal seguinte, em casa. A mulher, os filhos e os criados, que muito o estimavam, ficaram muito tristes por essa longa ausência. Então, o Cavaleiro prometeu que, realizada a viagem, voltaria, dali a dois anos, a tempo da noite de Natal. O Cavaleiro partiu de barco.



Ao longo da sua viagem por várias terras, teve muitas experiências e aventuras, durante as quais lhe foram oferecidas riquezas e adquiriu conhecimento, ouvindo histórias e visitando lugares maravilhosos. Chegando a Jerusalém, rezou nos Jardim das Oliveiras, banhou-se nas margens do rio Jordão e passou a noite de Natal na gruta de Belém, demorando-se cerca de dois meses na Palestina. No regresso, conheceu um mercador de Veneza com quem fez amizade. Juntos visitaram as maravilhosas cidades do mar Mediterrâneo, entre as quais Jafa e Ravena, antes de chegarem a Veneza, onde


o Cavaleiro ficou hospedado, durante algum tempo, no palácio do mercador. O Cavaleiro deliciou-se com os muitos monumentos da linda cidade e com as mercadorias mais exóticas de todo o mundo que ali passavam. Um dia, num jantar entre amigos, o mercador contou-lhes a história de Jacob Orso e da sua pupila Vanina, com quem o tutor queria casar um dos seus familiares. Mas quis o destino que Vanina se apaixonasse, numa noite de lua cheia, por Guidobaldo, um capitão de um navio. Este, que passava de gôndola, vendo, durante algum tempo, Vanina pentear o seu longo cabelo dourado na varanda, elogiou-lhe a sua beleza. Em agradecimento, Vanina atirou-lhe o seu pente de marfim e, mais tarde, fugiram juntos num navio, rumo à felicidade. Passado alguns dias, o Cavaleiro decidiu partir e o mercador ofereceu-lhe um cavalo que o levou pelo Norte de Itália. Visitou Ferrara, Bolonha e Florença, onde



  
ficou hospedado em casa do banqueiro Averardo e onde escutou as maravilhosas histórias do pintor Giotto, do seu mestre Cimabué e a de Dante, e do amor deste por Beatriz, prematuramente falecida e que o poeta encontrou, em sonhos, no Paraíso.
Em seguida, o Cavaleiro tentou tomar um navio em Génova, mas ficou doente, antes de chegar a esta cidade, recolhendo-se num convento, onde foi tratado pelos monges com ervas e plantas naturais. Quando conseguiu chegar a Génova, já todos os barcos tinham partido.




O Cavaleiro decidiu então retomar, a cavalo, a sua viagem de regresso, em direção ao norte. Em Antuérpia, foi recebido por um banqueiro amigo de Averardo e, num jantar, conheceu um capitão que lhe mostrou três cofres: um, com pérolas, outro, com ouro, e outro, com pimenta, cofres trazidos de uma viagem da rota dos Portugueses pela África. No dia seguinte, o Cavaleiro, já muito atrasado, partiu a cavalo e, no dia 24 de dezembro, véspera de Natal, chegou à região onde ficava a sua casa. Aqueceu-se na casa de uns lenhadores, na floresta e, quando já estava a anoitecer, partiu com intenção de cumprir a sua promessa. Mas o escuro e a neve, que entretanto tinham caído, apagaram todos os trilhos dos caminhos e o Cavaleiro perdeu-se.


Numa noite escura, onde apenas se distinguiam os olhos dos lobos e se ouvia o som de um urso que se aproximava, o Cavaleiro pediu aos animais uma trégua, naquele dia santo, e eles afastaram-se. Por isso, o Cavaleiro fechou os olhos e rezou a Deus. Quando os abriu, viu ao longe uma claridade que pensou ser uma fogueira feita por algum lenhador. Mais animado, prosseguiu a viagem e, ao aproximar-se, verificou que a claridade, que se tornava cada vez mais intensa, iluminava tudo à sua volta. Foi, então, que o Cavaleiro deparou, muito surpreendido, com a sua casa e com o grande pinheiro do seu jardim iluminado, que os anjos tinham enfeitado com milhares de estrelas para lhe mostrar o caminho. Foi assim que nasceu a tradição do pinheiro de Natal, decorado e iluminado, que a família do Cavaleiro, em memória daquela ajuda divina, passou a fazer todos os anos. Da Dinamarca, este costume espalhou-se para o resto do mundo.


Mês de novembro, mês de Sophia


Mês de novembro, mês de Sophia




Sophia de Mello Breyner Andresen nasceu no Porto, em 6 de novembro de 1916, e faleceu em Lisboa, em 2 de julho de 2004. Pelo lado paterno, é de origem dinamarquesa. Vive a sua infância na Quinta do Campo Alegre, da qual diz ter sido "um território fabuloso com uma grande e rica família servida por uma criadagem numerosa". Influenciada pelo avô materno, Thomaz Mello Breyner, cedo começa a tomar contacto com os grandes escritores portugueses.
Os seus pais alugavam uma casa na praia da Granja para passar férias de verão. A Quinta do Campo Alegre e a casa da praia da Granja, voltada para o mar, estão omnipresentes na sua obra, pois ali passou uma infância feliz, uma adolescência e juventude muito sadias. Contudo, a casa da Granja destaca-se, pois a voz do mar, dos búzios, dos corais ficará para sempre gravada no seu coração e será a sua musa inspiradora.
Em 1947, já casada com Francisco Sousa Tavares, inscreve-se na Assembleia da Granja, frequentada pela elite cultural do Porto e por muitos espanhóis cultos. Do seu casamento nasceram cinco filhos, um dos quais o conhecido jornalista Miguel Sousa Tavares.
Instalada em Lisboa, matricula-se em Filologia Clássica na Faculdade de Letras. Apesar de não ter concluído o curso, contacta com a cultura clássica que muito a veio a influenciar.
Nascida e criada na velha aristocracia portuguesa, educada nos valores tradicionais da moral cristã, dirigente de movimentos universitários católicos, vem a tornar-se uma das figuras mais representativas de uma atitude política liberal, denunciando os falsos critérios do regime salazarista e os seus seguidores mais radicais. Em 1975, foi eleita para a Assembleia Constituinte pelo círculo do Porto numa lista do Partido Socialista, enquanto o seu marido navegava rumo ao Partido Social Democrata.
Dedicou especial atenção à literatura infanto-juvenil, e foi nos seus 5 filhos que  encontrou inspiração para escrever contos infantis. Motivos concretos e símbolos excecionais para cantar o amor e o trágico da vida foi-os buscar ao mar e aos pinhais que contemplou na Praia da Granja; com a sua formação helenística, encontrou evocações do passado para sugerir transformações do futuro; pela sua constante atenção aos problemas do homem e do mundo, criou uma literatura de empenhamento social e político, de compromisso com o seu tempo e de denúncia da injustiça e da opressão. Foi agraciada com o Prémio Camões em 1999. É um dos nomes maiores no panorama da poesia contemporânea portuguesa.

Alguma da sua bibliografia:



Obras poéticas: Poesia (1944), Dia do Mar (1947), Coral, (1950), No Tempo Dividido, (1954), Mar Novo (1958), Livro Sexto (1962) Geografia (1967), Dual (1972), Nome das Coisas (1977), Musa (1994), etc. Obras narrativas: O Cavaleiro da Dinamarca, Contos Exemplares, Histórias da Terra e do Mar, A Floresta, A Menina do Mar, O Rapaz de Bronze, A Fada Oriana, etc.



"O Conto da Ilha Desconhecida" - Um conto feito para a Expo'98


Um Conto Feito Para a Expo’98



Com a realização da Feira Internacional da Expo’98 em Lisboa, em 1998, que trazia a temática dos oceanos, e as comemorações dos 500 anos dos descobrimentos marítimos portugueses, José Saramago presenteou-nos com O Conto da Ilha Desconhecida. Novamente vamos mergulhar no seu universo fantástico, crítico aguçado do sistema em que estamos inseridos. Surge-nos retratado um reino burocrático e de fantasia, onde um homem persegue o seu sonho e o seu ideal: encontrar a Ilha Desconhecida. Num discurso brilhante, a personagem convence o governo a dar-lhe um barco. Também convence algumas pessoas, entre elas a mulher da limpeza do reino, a acompanhá-lo nessa aventura quase utópica e sem destino:
“[…] Então o homem trancou a roda do leme e desceu ao campo com a foice na mão, e foi quando tinha cortado as primeiras espigas que viu uma sombra ao lado da sua sombra. Acordou abraçado à mulher da limpeza, e ela a ele, confundidos os corpos, confundidos os beliches, que não se sabe se este é o de bombordo ou o de estibordo. Depois, mal o sol acabou de nascer, o homem e a mulher foram pintar a proa do barco, de um lado e do outro, em letras brancas, o nome que ainda faltava dar à caravela. Pela hora do meio-dia, com a maré, A Ilha Desconhecida fez-se enfim ao mar, à procura de si mesma.”
           Mas como todo sonho tem o seu preço, aos poucos o homem é abandonado por todos, só lhe fica a mulher. O autor revela-nos uma história não só de sonhos utópicos, mas também de amor. Com o homem parte a mulher da limpeza, os dois seguem na busca dos sonhos, o amor já o têm. A ilha desconhecida era o grande sonho português do fim do segundo milénio: o mergulho na Expo’98. Um sonho que fechava o século XX no universo histórico lusitano de uma forma espetacular, que rumava para o terceiro milénio a refletir um futuro que trouxesse de volta a época da grande aventura, a época dos descobrimentos, época que a nação sonhava com o Quinto Império. Com a Expo’98 vinha a segurança do reencontro de Portugal com a Europa. A esperança de um mercado único, de uma moeda única, de um futuro que espelhasse pouco o passado mais recente, do qual voltaram cidadãos desfeitos pela guerra colonial, física e mentalmente. É justamente o não esquecimento de uma história recente, nem sempre gloriosa, porque a história também é feita de erros e humilhações, que a obra de José Saramago muitas vezes atira-nos à cara. José Saramago conduziu neste conto os nossos sonhos rumo à ficção do século XXI.

Reflexões sobre o "Conto da Ilha Desconhecida" de José Saramago


O Conto da Ilha Desconhecida de José Saramago

          Resumo

Um homem quer falar com o rei para pedir-lhe um barco. O rei, após a insistência, dá-lho. A mulher da limpeza resolve sair do palácio do rei pela porta das decisões e juntar-se à tripulação do barco. Ela limpa o barco. Ele tenta em vão arranjar tripulantes. Todos acham que não há mais ilhas que não sejam conhecidas. À noite, eles vão dormir, cada um em seu beliche. O homem sonha que chegou à ilha desconhecida. Ele acorda ao lado da mulher. Eles pintam o nome do barco: ‘A Ilha Desconhecida’.

Reflexões

 O Conto da Ilha Desconhecida parte de duas ideias: a de que um barco é uma ilha, e a de que as pessoas são uma ilha. A ideia de uma ilha só faz sentido quando existe o mar; sem o mar, nenhuma ilha é ilha, ou seja, as ilhas não existiriam. Segundo Saramago, é preciso acreditar que ainda existem ilhas a serem descobertas, ainda que só se consiga chegar nela em sonho (ou seja, uma ilusão romântica). O curto livro gasta um bom tempo para que o leitor saiba que o rei é o tipo de pessoa que nunca buscaria uma ilha desconhecida. Talvez, para o escritor, o facto de pessoas poderosas NÃO quererem buscá-la seja tão importante quanto o facto de o homem querer buscá-la. Afinal, A Ilha desconhecida é a ilha, é o próprio barco, é o próprio processo de busca, é o prazer sereno de aventurar-se rumo ao desconhecido. Faltou, no entanto, que a ilha seja o próprio livro. Isso Saramago não frisou. A sua literatura poderia ser a própria ilha, esse próprio processo de busca. O título do livro poderia ser A Ilha Desconhecida. Então, lançar-se ao mar seria lançar-se à folha de papel em branco. Ao invés disso, preferiu intitular de O Conto da Ilha Desconhecida. Isso é tudo o que pode ser dito sobre o que o autor busca em sua literatura.

É para ilustrar a constante construção, a busca de completude, na qual o homem vive até o suspiro final, quando morre sem ter terminado de nascer, é essa grande angústia de não nos aceitarmos finitos, que Saramago cria a metáfora O Conto da Ilha Desconhecida (1998), onde um humilde súbdito de um reino, vai à porta das petições do palácio, persistentemente, requerer do rei, um barco para ir à procura de uma ilha desconhecida, para espanto do rei que afirmava não existirem ilhas desconhecidas, que estariam todas nos mapas. Por insistência e boa argumentação, o súbdito sai vitorioso com a conquista do barco, é então acompanhado pela mulher da limpeza, que cansada da monotonia, do quotidiano da sua existência, resolve acompanhar o aventureiro, saindo pela porta das decisões à procura da tal ilha desconhecida. Entendemos que, nessa obra, os personagens querem-se descobrir a si próprios, o sentido da sua existência, na imagem poética de uma ilha misteriosa, como são misteriosos os sonhos humanos, refletindo um anseio que é universal e que nos move desde os tempos mais remotos. É importante destacar, aqui, a exemplo de outras obras de Saramago, o tratamento dado à personagem feminina, no papel de força mediadora e profícua na realização significativa do processo de busca do autoconhecimento da personagem masculina, questionando e promovendo a reflexão sobre essa busca que é impossível de ser realizada isoladamente, mas requer uma disposição de viver junto, de pensar uma nova condição humana, envolta em princípios que caracterizam um novo ser: como a solidariedade, a confiança nos homens e o fazer constante para a transformação do individual para o coletivo, fundado numa ética humanista, que valoriza o estudo das relações do Eu em conformidade e ligação com os seus semelhantes, pois apenas dessa forma o homem pode realizar-se e ser feliz. Contrariando, assim, a ótica da modernidade, onde ser mais é ter mais, é ocupar o primeiro lugar, é usufruir do poder e do outro, manipulando-o, numa cegueira que impossibilita ver no outro a si mesmo. No Conto da Ilha Desconhecida, a dificuldade de visualizar e amar o invisível, de construir o novo a partir do lugar onde nos encontramos, conceção utópica de vida, que incita as ações humanas e impede a estagnação da história, impulsionando-nos a mantermos a esperança, é metaforizada no facto de mais ninguém, além da mulher da limpeza, ter concordado em fazer parte da tripulação na busca da ilha desconhecida. É cómodo viver o conhecido, o novo é assustador, é preciso ousadia para encarar o desconhecido, que às vezes somos nós mesmos…